Exercício de boa vontade

“E exigimos, cobramos... Fala-se tanto de bons sentimentos nesta época, e vejo ser afinal, a que em menos há.”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES


 

_____É época de paz, partilha, compreensão, união, e todos esses sentimentos que se proclamam e desejam fraternamente neste espírito, mas apenas isso...

_____A realidade, como sabemos, é em tudo, muito diferente.

_____Vemos correrias desenfreadas em consumismo, impaciência, incompreensão, rancor, egoísmo, ansiedade, e muita, muita angústia, já para não falar da saudade.

_____Trabalho em hotelaria, e vou-vos relatar uma situação que se passou comigo, mas que já presenciei imensas vezes em variados locais, em diversas situações, e tenho a certeza que vocês também.

_____Num dos dias de maior movimento, casa cheia, e somos várias ao balcão. Atendo dez, vinte, trinta clientes... Entre atendimentos e por vezes durante, atendo telefone, reabasteço comida na montra, entre tantas, tantas coisas, correria...

_____E neste corre-corre, foi me pedido uma encomenda, respondi que estava a sair quentinha, e nesse entretanto reabasteci, e, continuei a atender, mas outros clientes...

_____Uma colega, chamou-me a atenção, tinha deixado a minha cliente da encomenda para trás, despertei...

_____Desfiz-me em mil desculpas. Ela, impecável, nada a desculpar, acontece. Mas captei noutra cliente movimento, e a vi, a acenar a cabeça em gesto de desagrado, pura reprovação...

_____Caiu-me tudo...

_____Verdade, errei, um esquecimento em meio da confusão. Nada grave, acontece a todos, certo?

_____Lembro novamente da reprovação. Se ela soubesse, que mal tenho dormido, que estou doente, que perdi alguém muito querido recentemente, que falta pessoal no trabalho, que estou profundamente magoada com alguém que amo incondicionalmente. E, e..., e...

_____Reagiria assim? Talvez não. Mas nunca sabemos pois não?

_____Tantas vezes nos deparamos com alguém de ar pesado, cansado, sério, zangado, alienado, e nos aborrecemos, criticamos, julgamos...

_____Quando vou em condução, e vejo asneiras, refilo de mil formas, mas sempre de vidros fechados confesso, julgo que em vinte anos, buzinei duas vezes, e apenas em perigo extremo.

_____Em filas, quando alguém dissimuladamente se põe à minha frente, finjo não perceber, encolho os ombros e siga caminho.

_____Mas nem sempre, também eu me desespero perante essas situações, somos todos humanos. Mas pelo que vivenciamos, devíamos saber ou lembrar, que talvez, aquele rosto fechado na caixa de supermercado, não é mau feitio, é apenas cansaço e preocupação.

_____Que aquele silêncio de um amigo, não passa apenas de necessidade de reflexão e recolhimento, não é de modo nenhum desprezo ou esquecimento.

_____E exigimos, cobramos...

_____Fala-se tanto de bons sentimentos nesta época, e vejo ser afinal, a que em menos há.

_____Façamos um exercício de boa vontade. Da próxima vez que alguém errar, ou estiver de rosto sombrio, em vez de um acenar reprovador, digamos antes: “Tudo bem consigo?” ou “Acontece a todos”, ou simplesmente sigamos nosso caminho, e interiormente façamos uma prece, “Seja o que for, que lhe seja breve...”

_____Bons sentimentos a todos, agora e todo o ano...





 

 

 TEXTO: Ana Acto 

FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto 

Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas.

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                                                 

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