Voando com os flamenguistas

“O sol castiga meu braço; mas se eu fechar a janela, não terei o que ver e vou me irritar ainda mais com o falatório dessa gente.” 

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES 


 

_____Vocês se lembram daqueles madrugadores que tingiram de rubro-negro uma de minhas crônicas mais recentes? Pois, então, não é que embarcamos no mesmo voo! Quando os vi zanzando pelo Santos Dumont, não pensei que tinham o mesmo destino que eu. São as coincidências – ou ironias – da vida... Vou pelo corredor à procura de minha poltrona e os vejo, sentadinhos como colegiais uniformizados. Ali estão as loirinhas que furaram a fila do check inn, o casal das malas, um rapaz entre duas moças “num fogo só” como dizia vovó... enfim, flamenguistas por todos os lados.

_____À minha frente, um deles inventou de mexer na mala. A fila cresce como os índices do desemprego e ele lá, indiferente, esticando o braço, bufando com a máscara sob o nariz, xingando o zíper. E a fila vai crescendo, como os preços dos alimentos... o sujeito se esforça, a camisa 11 sobe revelando a protuberância abdominal. O zíper, enfim, abriu; ele tateia procurando algo no meio das roupas. Eu o observo: é parecido com o Dennis Nedry, de Jurassic Park... suspira; parece ter encontrado o que tanto procurava. Eu ainda o observo, acho que o povo na fila também. O sujeito não pegou nada; agora confere se a mala está bem fechada, se joga na poltrona, sorri pra mim feito um bobo contente. Só espero que nosso Dennis Nedry não esteja contrabandeando nenhum embrião de dinossauro... Sigo à procura de minha poltrona; atrás, vêm os demais passageiros, a maioria flamenguistas. Pensei que em um voo para Porto Alegre eu só encontraria gremistas e colorados.

_____Mensagens e advertências de praxe, decolamos.

_____Ninguém ao meu lado, atrás apenas um garoto com o rosto cheio de espinha e um headphone enorme; à frente, um homem de barbicha ruiva cochila. Condições ideais de voo e, sobretudo, ideais para colocar a leitura em dia. Todavia, mal decolamos, os flamenguistas se juntam no meio do corredor, pertinho de mim... a felicidade deste pobre cronista-leitor durou pouquíssimo. Conversam alto e animadamente, como se estivessem num bar ou no Maracanã. O barrigudo é o mais empolgado; fala, gesticula, ri uma risada que mais parece um grunhido de dilofossauro. Um menino de vozinha chata grita para ser ouvido, fala que o Gabigol isso, o Gabigol aquilo... ah, isso me dá coisas, como dizia o Dr. Chapatin. O rapaz e as moças baixaram o facho e, ajoelhados nas poltronas, dão palpites na arbitragem... Agora as loirinhas se juntam ao grupo. Que coisa mais linda, mais cheia de graça: no meio do avião, a delegação rubro-negra se encontra pra trocar figurinhas. E eu achando que em um voo para o sul encontraria o Veríssimo, a Carol Bensimon, o Assis Brasil, o Daniel Galera...

_____Não consigo me concentrar na leitura. Troco o Érico pelo Tex. Pela segunda vez, a aeromoça adverte: coloquem as máscaras no nariz. No nariz, frisa. Até hoje os infelizes não sabem disso, indago ao índio do terceiro quadrinho que observa a imensidão texana. Eles não sabem usar a máscara, assim como eu nada sei sobre quem jogou ontem e onde o Flamengo jogará – se jogará - nos próximos dias. “Bem aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.” Carlos Drummond estava certíssimo.

_____Viro a página; começou a troca de chumbo. Danação, acertaram o ombro do Tex; felizmente foi de raspão. Os flamenguistas falam mais alto, parece que quanto mais subimos, mais elevam o tom. Gargalham como se estivessem no quintal preparando o churrasco enquanto o Galvão anuncia “bem amigos da Rede Globo, em instantes começa mais um clássico...” Impossível ler: parecem apaches em guerra. E, no entanto, o barbicha ruiva ronca na poltrona. Oh, que falta me faz um Dramin!

_____O sol castiga meu braço; mas se eu fechar a janela, não terei o que ver e vou me irritar ainda mais com o falatório dessa gente. Só falta tirarem das mochilas pandeiros, tamborins, cuícas e improvisarem uma roda de samba... Pensando bem, ver as loirinhas se requebrando não seria nada mal... Retorna a aeromoça. Pede à turba “para usar a máscara adequadamente”, se vai. Do barulho, nada falou. Fico pensando: quem tem cabeça para falar “adequadamente” num voo desses. Os caras gargalham; uma das loirinhas, quem diria, é piadista. O grisalho encostado na poltrona ao meu lado se coça como se tivesse um ninho de carrapatos dentro da bermuda.

_____Volto a olhar as nuvenzinhas. “Horizonte não enche a barriga de ninguém: mas enche os olhos” como escreveu Rubem Braga. Feliz mesmo é o carinha atrás de mim: ouve sei lá que tipo de música, marcando o compasso com a cabeça e o All Star. Pelo menos, não está ouvindo essas maritacas irritantes... Será que aposentaram o urubu e a maritaca virou a nova mascote do Flamengo e eu não estou sabendo? Preocupado com os fora-da-lei, Tex cavalga sem me responder.


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritos de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", livro de contos, pela Editora Porto de Lenha, em 2020. Divulga seus escritos na página "Algumas Reminiscências Poéticas", no Facebook e em seu perfil do Instagram. Publica também os poemas no site "Recanto da Letras" e crônicas no "medium.com" e em seu blog pessoal "Raphael Cerqueira Silva - Escritor".
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