Apenas a Vida, a acontecer...

“O futuro é-nos desconhecido a todos, por isso, tentamos viver cada dia que nos é ofertado, os melhor que conseguimos. Que conseguimos... não como desejamos.”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES 


 

_____Hoje, fui convidada a assistir a um ensaio de uma peça de teatro poético, que um amigo está a dirigir. Uma iniciativa louvável, (uma de várias) que a minha junta de freguesia está a desenvolver junto da comunidade sénior.

_____Dei por mim a olhar aquele pequeno grupo, de folhas na mão, decorando suas falas. Entusiasmados, um pouco nervosos, outros, ansiosos, expectantes, mas todos, sem excepção, inclusive eu, estavam ali, extremamente felizes.

_____Iriam fazer uma peça de teatro, e a iriam representar em palcos pela cidade. Fiquei fascinada por perceber que sentiam ter todo o futuro à sua frente, que podiam tudo. E, de facto, tinham e podiam. Declamavam suas falas, as gesticulavam de um modo teatral, davam ideias, e eu, os olhava maravilhada. Que inspiração...!

_____Hoje, um dos meus filhos foi passear uma das nossas gatas ao quintal, temos de o fazer quase diariamente, porque ela mia, incessantemente, até conseguir o que pretende. E, sem nos apercebermos, trouxe na boca um pássaro bebé (é uma caçadora eximia), o percebi ao ouvir um piar alto no corredor. Fui espreitar, brincava com ele, fiquei aflita e imediatamente lho tirei (sei que o trouxe para nos ofertar, tem esse costume com tudo o que se possa imaginar). Constatei ter a patinha ferida, no chão vi sangue, demais para ser apenas da patinha, e demais para um corpo tão pequenino. Meu coração soube...

_____Mesmo assim, arranjei uma caixinha, forrei o fundo com um paninho macio, e, como não tinha uma tampa, olhei a meu redor procurando algo que servisse esse efeito, sendo a primeira coisa que vi, um velho Atlas. E dei-lhe esse nome, Atlas... Olhava para aquele bebé, deveria ter toda uma vida pela frente, voar alto, construir um ninho, e se debatia ali, longe do seu habitat natural e cada vez mais longe de um futuro. Começou a enfraquecer, já nem se debatia para sair da caixa, não consegui deixá-lo lá dentro. Deitei-me num cadeirão, coloquei-o em meu colo, e o fui acariciando. Os seus olhinhos começaram a fechar e os seus batimentos a se tornarem mais suave. E chorei... chorei, e chorei... Impotente perante ele, impotente perante a vida.

_____Ontem, fui a um velório. Uma amiga falecera, me confortou, de algum modo, ver tantos amigos comparecerem para a sua despedida.

_____Lembrei-me de uma conversa recente com minha mãe, onde referia alguém, que também partira recentemente, e que tivera uma vida social cheia. Mas, que no final, sentindo-se sozinho, acabara por tomar medicamentos e desistir de viver. E que se contaram pelos dedos das mãos, os poucos que o acompanharam no final.

_____Estas situações, me fizeram reflectir, cada uma de um modo particular, sobre a vida. O futuro é-nos desconhecido a todos, por isso, tentamos viver cada dia que nos é ofertado, os melhor que conseguimos. Que conseguimos... não como desejamos.

_____Ao nascermos, recebemos essa dádiva, e é apenas nossa, e, no entanto, tantos factores, situações, pessoas e circunstâncias, a moldam. Uns, tendo já vivido uma grande parte dela, desfrutam cada dia, como o bem mais precioso que têm, ainda, com o universo nos olhos.

_____Outros, ainda no início do seu percurso, dela são privados, sem escolha. Outros ainda, desistem dela...

_____Uns a vêm como bênção, outros como maldição. De tão díspar que é cada história e cada sentir. E perdoem-me a minha sinceridade, mas não, não existem fórmulas alquímicas, ou manuais, ou terapias ou mezinhas que nos protejam, elevem ou equilibrem com garantia confirmada.

_____Por isso, existem os sorrisos, os abraços, a partilha, a fé, a esperança, o acreditar...

_____Existem os pores-do-sol, o canto das aves, o vento balançando os eucaliptos, e o aroma do café acabado de fazer...

_____Tudo o resto, é apenas, a vida a acontecer.




 


 

 TEXTO: Ana Acto 

FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto 

Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas. 

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                                                 

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