O relógio

"Por ficar centralizado na espaçosa sala de visitas, repleta de janelas, seu toque forte era ouvido por quem estava em qualquer cômodo e nas imediações."

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 


 

_____E minha criança hoje, para alegrar o dia, volta com suas histórias.

_____Transmuta-me aos anos 60, onde bem pequena é despertada pelo tic-tac musical do relógio; sorrindo, segura a mão da sua avó, que calmamente lhe ajuda a sair da cama.

_____A voz da minha neta, indagando sobre o local do tablet, me traz de volta ao presente. Nanda sai, começo a refletir...

_____Relógios... ah, os relógios... Medem o tempo! Sim, medem... simples assim! Só que, no tempo de dentro, justamente aquele sem medidas, existe um relógio único, diverso de qualquer outro: o relógio de parede da bela casa do meu avô Pedro.

_____Por ficar centralizado na espaçosa sala de visitas, repleta de janelas, seu toque forte era ouvido por quem estava em qualquer cômodo e nas imediações. 

_____Tudo bem, no entanto, aquele belo relógio de madeira, desde 1920 até o falecimento dos meus avós, teve uma marcação própria, conforme pensamentos filosóficos do seu proprietário.

_____Em sua "teoria", o tempo (na sua casa) deveria ser medido pelo natural transcorrer dos dias e noites.

_____Os dias começavam com a claridade solar e terminavam na "hora do angelus". Sim, esta era sua concepção de dia: movimento integrado dos seres do planeta terra, sol, chuva, vozes, cantos e cheiros.

_____Noite: recolhimento e aquietação; o sol se pondo no horizonte, dando lugar a outra dimensão da luz através da lua, planetas e estrelas; pessoas e bichos em busca de seus habitats. 

_____Quando os relógios comuns marcavam 6:00 horas da manhã, o seu marcava 1:00 hora do dia; os comuns 18:00 horas, o seu 12:00 horas do dia; após tal horário iniciavam-se as horas noturnas.

_____O almoço era servido às 6:00 horas do dia, o jantar após orações da hora "do angelus"; a partir de então, a rotina transcorria à luz de lamparinas. 

_____É pitoresco recordar quão suaves e bucólicos eram os toques do cair da tarde: o sol com cores crepusculares, pássaros em canto de retorno, meus avós fazendo orações de agradecimento e os trabalhadores da lavoura nos cumprimentos de baixar a cabeça tirando o chapéu em ritual de boa noite.

_____Comumente, por volta de 2:00 h da noite  vovó convidava as crianças à conversação apreciativa das maravilhas astrológicas do céu. Falava de constelações como grupos de estrelas entrelaçadas por profunda amizade; de planetas como corpos celestes que, como a terra, giravam no universo. Inúmeras eram as indagações sobre possibilidades de vida e extraterrestres naqueles longínquos planetas.

_____Às 6:00 horas da noite o toque do relógio lembrava que era "hora forte", começavam as altas horas – ou seja, a madrugada, que terminava justamente às 12:00 h.

_____Ao ressoar da última hora da noite, por costume rural, todos já tinham acordado, feito seu desjejum e iniciado as atividades daquele dia que à 01:00h já estava em  pleno ritmo laborativo. 

_____Volto a escutar uma risada conhecida... é Nanda com os jogos do seu tablet... é presente outra vez...

_____No espelho da memória, a menina dos anos 60 se foi feliz com o som musical do relógio do seu avô; no quarto, uma senhora de sessenta anos sorri consciente da efemeridade do viver e seus significados. 

_____Em dias de rotinas "on-line", dependentes de smarts variados e redes sociais, um relógio do início do século XX pode ser visto como valiosa peça de antiquário, ou belo guardião de singelas e emocionantes memórias afetas a pessoas inesquecíveis como Antônio Pedro de Melo, meu amado avô.


 TEXTO: Liège de Melo 

Liège Costa de Melo Ferreira, brasileira, nasceu em Triunfo-PE, reside em Recife-PE. É graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e em Turismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós graduada em Obrigações e Contratos pela Universidade Federal de Pernambuco e em Planejamento Turístico pela Scuola Internazionale de Scienze Turistiche de Roma – Itália.  Trabalhou nos setores público e privado de Recife e Natal-RN. É poeta e cronista. Na adolescência escreveu seus primeiros versos. Em 2011 estreou no mundo editorial com o poema Ledos Devaneios, classificado no 1° Concurso Nacional Novos Poetas – Prêmio Augusto dos Anjos, promovido pela Videira Editora (Cabedelo–PB). Desde então, tem participado de múltiplas obras poéticas no Brasil e exterior. No universo on line participa de blogs, páginas e grupos literários. Em 2016, seu primeiro livro de poemas: Ledos Devaneios, foi publicado no Brasil, através da Editora Novo Estilo (Recife-PE). Em 2020 publicou ROTAS POÉTICAS, no Brasil e Portugal, através da IN FINITA LISBOA.

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