"O velho ioiô reacendeu em mim a faísca da infância e, sem querer querendo, resgatou o gostinho doce e saboroso que há tanto se escondera na fria e obscura maturidade."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Encontrei-o, por acaso, no guarda-roupa. O velho ioiô, perdido entre rascunhos de contos, meias e fronhas, me trouxe várias lembranças.
_____Eu procurava um livro para preparar minha aula; como não o encontrei na estante nem no armário da sala, fui vasculhar no quarto. Olhei debaixo da cama, nas gavetas da escrivaninha, não achei. Trepei no tamborete, tateei em cima do guarda-roupa, só encontrei poeira e teia de aranha. Neca de pitibiriba, como dizia a vó.
_____Cocei o cocuruto, me perguntando onde diabo poderia estar o tal livro. Súbito, me veio a ideia de procurar nas gavetas do guarda-roupa. Não o achei, no entanto, encontrei o velho ioiô de plástico, empoeirado e descolorido, com a cordinha rota e encardida... Quem diria que, por conta de uma aula sobre o comércio de especiarias nos séculos XV e XVI, eu seria transportado ao meu passado não tão longínquo.
_____Ah, quantas lembranças jorraram naquela fração de segundo que gastei entre ver e pegar o velho ioiô. Porque só olhar não era suficiente, eu precisava tocar o brinquedo, feito um menino afoito... Muitas e boas lembranças vieram à tona, algumas transbordaram de meus olhos.
_____Quando subia e descia, lampadinhas amarelas e laranjas acendiam, refletindo na cerâmica da casa. A vó disse que o comprou na loja de uma senhora que revendia “coisas do Paraguai”. Mas, verdade seja dita, para mim pouco importava a origem do ioiô, eu queria mesmo colocar a pilha palito e ver as luzinhas acenderem... Boas lembranças, essas trazidas pelo velho ioiô.
_____Mas, que pena! meu dedo não cabe mais na argola de plástico. E minhas mãos, destreinadas, não o dominam, mal consigo fazê-lo subir e descer dignamente.
_____O velho ioiô me despertou nostalgias neste início de agosto. Puxa, logo agora que eu prometera tentar me afastar de pensamentos melancólicos, vem às minhas mãos este resquício da infância; logo agora que deixei até de ouvir certas canções só para não me entregar a pensamentos saudosistas, de repente me deparo com este velho ioiô.
_____Pensando bem, o acaso não pode ser tão mau assim, isso deve ser obra de algum gênio zombeteiro, só pode.
_____O vento sopra frio e fumaça. Alguém ateou fogo, de novo, no pasto. As semanas passam, as queimadas persistem. No corredor do prédio, alguém tosse. Cá no quarto, parado, estou recordando.
_____O velho ioiô reacendeu em mim a faísca da infância e, sem querer querendo, resgatou o gostinho doce e saboroso que há tanto se escondera na fria e obscura maturidade.
_____O velho ioiô reacendeu em mim a faísca da infância e, sem querer querendo, resgatou o gostinho doce e saboroso que há tanto se escondera na fria e obscura maturidade.
_____Retiro a máscara do homem que me tornei, deixo o menino que ainda habita em mim se manifestar. E este menino tagarela desembesta a correr pela casa, talvez queira escavar outras relíquias do seu/meu tempo. Não larga o ioiô, mesmo sabendo que, agora, ele não acende mais as lampadinhas, mesmo sabendo que um dos lados está trincado, que a cordinha, de tão gasta, pode se romper a qualquer momento.
_____Apesar da inépcia de suas mãos, o homem sorumbático que me tornei brinca com o velho ioiô em meio a tantas boas recordações.
_______________________________________________________________
O articulista atua como Colaborador deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista do autor, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
Comentários
Postar um comentário