Gratidão a molhos

“Meu peito está cheio de gratidão, por estas pessoas que haviam partilhado suas memórias e refeição comigo, por esta natureza que me acolhe e por este momento." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____As melhores memórias recordam-se ou criam-se em jantares de família.

_____E foi um desses momentos que partilho hoje convosco.

_____Um jantar intimista, a três, com minha tia paterna e meu tio por afinidade. Nem sei bem como surgiu a conversa, julgo que pelo que comíamos, que tinha trazido da loja onde trabalho, e daí começarmos a falar do que se partilha, dos excedentes que tantas vezes temos e da falta que fazem a tantos.

_____E porque as conversas são como as cerejas, dizem, demos por nós a retroceder ao passado e a falar da nossa terra natal (Tomar) e de como tinha sido difícil crescer noutra época, que em muitas casas se passava mesmo fome. O meu tio lembrou, como tantas vezes o ouvi já contar, que quando a mãe ia trabalhar para os campos, ele ainda bebé, ficava com a avó e que tinha sido amamentado algumas vezes por outra mulher quando tinha fome, ele e mais dois. Curiosamente essa mulher viria a ser sua sogra, e mais curioso ainda que, embora ela tivesse mais 5 filhos, seria na sua casa que ficaria na velhice, amada e apaparicada.

_____Este meu tio tinha (tem) um sentimento de gratidão e carinho enorme por ela e o universo encarregou-se de fazer o resto.

_____Falávamos também de um pequeno terreno onde minha tia colocou uma casa móvel, sobre rodas, tipo roulotte, chamamos-lhe “Laranjeira” porque diante dela tem uma imponente laranjeira, está ali desde sempre, todos a conhecem e têm histórias com ela, e quando lá passam param e as contam.

_____Noutra época, dizem, matou a fome a muita gente, algumas crianças, pois em frente dessa laranjeira, estava uma pequena escola primária transformada agora (por conta da migração para as cidades) em museu.

_____Depois desta, muitas outras conversas surgiram, entre gratidão, partilha e reciprocidade.

_____Minha tia lembrou que quando era moça, e veio para a cidade, uma vizinha a sentindo assim meio que “desamparada”, a convidava por vezes para jantar e dava até algumas refeições que trazia do local de trabalho.

_____Hoje, minha tia distribui comida excedente de um take away, a partilha com outras pessoas, algumas com necessidades sim, mas nem sempre físicas, muitas vezes puramente emocionais e afetivas.

_____E, só recentemente, sentiu que estava a retribuir inconscientemente o gesto que lhe haviam feito. 

_____Todos concordamos, não damos para receber. 
_____Mas a verdade, é que recebemos imenso, das mais variadas formas.
_____E nem sempre fisicamente. 

_____Hoje vim à praia, lembrei desta conversa de ontem, enquanto olhava o mar e apanhava pedras.

_____Meu peito está cheio de gratidão, por estas pessoas que haviam partilhado suas memórias e refeição comigo, por esta natureza que me acolhe e por este momento.

_____Agradeço interiormente ao Universo, enquanto caminho, e na areia, encontro uma pulseira de missangas com um coração.

_____Sorrio... agradeço novamente, e agora também pelo presente concedido.

_____Sim, que o nosso coração nos mostre sempre o caminho.

 

_____P.S. : Supostamente tinha acabado de escrever esta crónica, mas um último ato de gratidão surgiu.

_____Tinha deixado o guarda sol, toalha e mochila na areia e feito esta minha caminhada “meditativa”, e apenas voltei ao ponto de partida 3 horas depois...

_____A maré antes vazia, tinha começado a subir, a água chegava ao guarda sol, mas alguém puxara a toalha e mochila para cima para não se molhar.  Olhei em redor, esperando alguém se pronunciar para agradecer, ninguém...

_____Por isso, GRATIDÃO, a molhos...




 


 

 TEXTO: Ana Acto 

FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto 

Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas. 

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                                                  

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