No hablo espanhol

“Em terra estrangeira, emudeço. No hablo espanhol, mas dizem que o amor é a única língua oficial, comum entre todos. Sendo assim, por que não a falamos?" 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Sirenes tresloucadas ecoam nas avenidas. São ruídos frenéticos, que apenas seguem seu ofício de socorro. Não sei quem agoniza nessas ambulâncias, pode ser o padre da missa das sete horas ou o mendigo da praça, atormentado pelo estômago vazio. Nessa cidade, eu não estou morrendo, apenas sigo em silêncio. Minha língua não se mostra, não se exibe, não cria calor. Permanece tímida, enquanto meus ouvidos absorvem um castelhano, que não compreendo. Como uma ilha, estou em solidão. Navios com seus tripulantes tentam habitar em mim. Mas sou apenas um lugarejo, que profere um idioma indecifrável para os homens.

_____Em terra estrangeira, emudeço. No hablo espanhol, mas dizem que o amor é a única língua oficial, comum entre todos. Sendo assim, por que não a falamos? Teria o amor se escondido nos escombros da Torre de Babel? Na confusão linguística, tento de alguma forma me sobressair. Vejo que Assunção é uma capital quente e minhas têmporas úmidas ardem nas inquietações diárias.

_____No hablo espanhol, mas essa cidade insiste em conversar comigo. Em cada semáforo que paro, os canteiros de gramas crescidas sorriem para mim. A capital do Paraguai se exprime nos viadutos inacabados, nos cruzamentos sem sinalização, no tagarelar das cigarras em dias de estio.

_____Das empanadas engorduradas, Assunção devora-me e sente meu sabor. No ápice do verão, meu suor respinga nas areias da Costanera. E com meus olhos incendiados, testemunho a chegada da noite. No céu, o lusco-fusco se rende às luzes da cidade. O coração aceso, guia-me nessa cidade que aprendeu a travar minha língua. Seduzo Assunção com minha laconicidade. E é assim, que leio e releio suas vontades, seus gestos, suas paisagens. Estudo seus contornos, persigo os meios – fios da tua desordem. E na solidão amiga de quem está longe de sua pátria. Sei bem que Assunção fala por mim, enquanto eu, no hablo espanhol.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
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