As cigarras

"O vento assopra tépido, balança as roseiras e visita meu coração. Das horas passadas, pouco me atento a olhar o relógio. O tempo canta dentro de nós, para depois desafinar e morrer." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

.Text written in Portuguese - Select a language in TRANSLATE >.


_____Ao amanhecer e no fim do dia, elas cantam. A canção vibra em todos os lugares, como se fosse a trilha sonora do verão. As cigarras tagarelam, vencem o calor e o clima abafado, para quem mora no caldeirão amazônico.

_____Camufladas entre os galhos secos e retorcidos, lá elas estão... É um ciciar melancólico que prenuncia a efemeridade de cada um. As cigarras cantam até morrer e eu escrevo para quê? No verão passado, em San Lorenzo, elas também estavam lá. Penduradas nas árvores ao entardecer, esquadrinhando os carros e exaltando o estio de mais um ano. Eu queria ser como as cigarras. Bramar sem medo, tudo aquilo que se esconde por trás da minha garganta. Arranhar os tímpanos, mesmo de quem não gostaria de me ouvir.

_____Enquanto analiso a rotina, as cigarras ainda se comportam para cantar. Porque é esse o motivo que as fazem se sentir vivas. Da aridez da terra, a carcaça das cantoras de verão será apenas mais uma lembrança. E o suor que meus poros jorram é unção sobre a pele.

_____Os verões vêm e vão, assim como os amores, que se escrevem nas areias e nas folhas soltas. O vento assopra tépido, balança as roseiras e visita meu coração. Das horas passadas, pouco me atento a olhar o relógio. O tempo canta dentro de nós, para depois desafinar e morrer.

_____De janela aberta, avisto um verde que ainda resiste. Tento finalizar essa crônica, mas antes de projetar o ponto final, largo meus pensamentos, para ser ouvinte das cigarras. Um dia, rezo a Deus para abrir mão de tudo e seguir pelo mundo, exalando prosa e poesia.

_____As cigarras cantam, porque como dizia Cecília Meireles: “O instante existe...”  E o amanhã é apenas alguém, que pode ou não nos esperar, no fim da estação. 


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
_______________________________________________
A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade. 

                                      

Comentários