A caneta da crônica

"A crônica cruza a margem do papel. Invisivelmente, ela se redige. Para algumas vezes, naufragar no silêncio ou no vazio que me preenche."  

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____A caneta deitada, repousa sobre a mesa. Olho para ela, com o intuito de acordá-la. Seu sono é intenso, parece abençoado pelos anjos. Talvez, no dia de hoje, ela não queira sentir o calor dos meus dedos. No deserto do indizível, não inspiro poetas e cancelo minha vontade de conquistar palavras. Quisera eu escrever uma crônica, que a tornasse eterna. Redentora e perene, nas páginas dos livros. No entanto, não há romantismo na criação literária. Não tenho a maresia para soprar meus devaneios. Diante das minhas retinas, apenas o concreto, a poeira e a desistência de escrever.

_____A vida vai muito além do ego das palavras. Do lado de lá, tem a família, o caos e o trabalho que paga os boletos. Na verdade, o mundo não cabe numa crônica, mas a crônica, cabe em vários mundos. Por isso, testemunho o pôr do sol, sinto o cheiro dos últimos temporais, acerto os talos das mangas e disponho me ouvir em outras vozes.

_____A crônica cruza a margem do papel. Invisivelmente, ela se redige. Para algumas vezes, naufragar no silêncio ou no vazio que me preenche. Entre rascunhos, as pálpebras descem, mas há faróis que iluminam a solidão, de quem é hipnotizado pelas palavras.

_____Nessa vigília vocabular, insisto em querer escrever. Mas a caneta, no seu estado de hibernação, não me concede essa honra. Da folha em branco, as linhas horizontais simulam o universo que preciso criar. Contudo, há momentos, em que uma crônica não se exibe, não se verbaliza. A crônica, antes de ser, ela precisa existir: nas interrogações postas, nas exclamações contidas, nas vírgulas que pausam os sonhos.

_____Quem sabe, em algum momento, a caneta volte a despertar. E autônoma, escreva sobre mim — uma crônica, para regar minha aridez de lirismo. Sim, há uma crônica escondida, suspensa nos varais da imaginação. Há uma crônica, absurdamente ansiosa, para encontrar o seu autor.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
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