A mureta

“Após quase tantos anos, piso em solo carioca. Foi um hiato extenso de ausência, nessa terra que abrigou e abriga tantos cronistas." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____É um domingo atípico para mim, coisa que de vez em quando, agrada-me. Desatar os nós da rotina, é repaginar a vida. Neste dia, deixo o quarto de hotel e tomo um táxi. Faz uma tarde amena, sem o calor anfitrião do Rio de Janeiro. No caminho, meus olhos contemplam com muito lirismo, a Enseada de Botafogo, a Marina da Glória, o Aterro do Flamengo (essa cronista é Vasco da Gama) e outros lugares, que há tempos, residem apenas, nas minhas reminiscências.

_____Ao desembarcar do automóvel, o vento assopra seu hálito manso e frio. Diante de mim, o bairro da Urca e a nostalgia que sempre me acompanhou. Caminhando e circundando a mureta da Urca, revivo a última vez que estive aqui. Foi no ano de 1986, no florescer da minha infância, aos três anos de idade. Na minha inocência, nem imaginava as transformações políticas, econômicas e socias, que o Brasil atravessava. Nos bares, a Copa do Mundo no México paralisava os olhos nas tevês. “Vamos, Brasil...!”, gritamos, sofremos e perdemos, não fomos campeões. Mas eu, por outro lado, ganhava a Urca, a praia Vermelha e o mar.

_____Minha memória hoje, já fragmentada, não se esforça para reviver os bons momentos que aqui tive. Eles permanecem aglutinados, intactos, no mosaico das minhas afeições. Após quase tantos anos, piso em solo carioca. Foi um hiato extenso de ausência, nessa terra que abrigou e abriga tantos cronistas.

_____O Rio de Janeiro por si só, já é uma crônica, redigida com as curvas de seus morros e grifada com o horizonte do mar. No domingo que se despede, eu também me despeço do Rio. Mas a mureta da Urca está aqui, recebendo seus moradores, curiosos, amantes e saudosistas como eu.

_____Na melancolia que me abate, reservo-me no direito de avistar o pôr do sol, inibido pelas densas nuvens que o sobrepujam. Não há problema algum, em não abraçá-lo com as minhas pupilas. A Urca é bela, mesmo quando o Pão de Açúcar se oculta entre a neblina. 

_____Perto do entardecer, sento-me sobre a mureta. As luzes da cidade crescem, queimando os veleiros ancorados. De mãos dadas com seu pai, uma criança olha pela última vez, o castelinho de areia. Neste instante, nada mais preenche minha mente. A saudade é um porto seguro, que nos lança em alto-mar. Da chegada da noite, apenas o mundo e os aviões sobrevoando a Guanabara.

_____Aceno para o táxi e volto para meu quarto de hotel. Sobre a cama, roupas e minha bagagem. Na tevê, o resultado da última da rodada do campeonato. Para minha tristeza, meu time perdera outra vez. A verdade é essa, não se pode ser feliz sempre, mesmo quando se adormece no Rio de Janeiro.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame é escritora, poeta e professora nascida em Manaus. É autora dos livros: "Português Amoroso" (2020) e "Cactos e Tubarões" (2023). Foi finalista do Prêmio Selo Off Flip (2022), na categoria conto e vencedora do 6º FLIM (2023), promovido pela Academia Volta-redondense de Letras com o conto: "Professor Jeremias Bartolo". 
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