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"Procuro um professor de piano (...) Que traduza com leveza o significado de todos aqueles símbolos esquisitos que a gente vê nas partituras." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Procuro um professor de piano. Que more pertinho, para eu poder ir e voltar a pé. Que dê aulas em sua casa, numa sala toda janelada e de cortinas amarelas, dando para uma varanda iluminada por uma clave de sol. Ipê branco e jabuticabeira carregada no quintal são itens desejáveis no currículo. E que tenha gato ou cachorro. Ou calopsita. Hamster, coelho, tartaruga, furão, iguana, salamandra, porquinho-da-índia. Pode ter peixe, também. O problema dos peixes é que não dá para conversar com eles.

_____Procuro um professor de piano. Que, num dia friorento, interrompa a aula e diga “Fiz sequilhos”. Que, se acaso eu estiver bem cansada, feche o piano e me mostre sua coleção do Calvin & Haroldo. Que não ria quando eu perguntar se vai demorar muito para tirar School, do Supertramp. E que nunca, jamais, em hipótese alguma, me faça solfejar.

_____Procuro um professor de piano que tenha sempre disponíveis e fresquinhos: café, bom humor e paciência. Que traduza com leveza o significado de todos aqueles símbolos esquisitos que a gente vê nas partituras. E que também nunca, jamais, em hipótese alguma, questione por que resolvi aprender piano agora, aos 50. (Pensando melhor, que questione, sim; assim falaremos longamente sobre como as pessoas podem passar a vida inteira sem ir atrás do que amam sem ter, contudo, justificativa razoável para tal.)

_____Procuro um professor de piano. Que me conte da vida dos autores clássicos como se os tivesse conhecido e fossem, Rachmaninoff, Debussy, Villa-Lobos, todos seus chapas. Que não tenha dó, nem ré, de mim, se eu não alcançar todas as notas porque meus dedos são curtos. Mas que vibre comigo quando eu, lá na frente e de surpresa, tocar algo e ele identificar, de primeira, que música é.

_____Procuro um professor de piano que num dia, do nada, um poema meu caia em suas mãos e ele diga, eufórico: “Isto dá samba”. E que a coisa acabe virando bossa-nova, e a gente se divirta muito vendo brotar som e tom das palavras que plantei no papel. 




 TEXTO: Silmara Franco 
INSTAGRAM: @silmarafranco 

Silmara Franco é paulistana e publicitária. Nasceu em 1967 no bairro da Mooca, onde viveu por mais de três décadas. Hoje vive em Campinas/SP. Resistiu a transferir seu título de eleitor, apenas para poder visitar de vez em quando o colégio onde aprendeu a ler e escrever. Além de cronista, é autora de livros paradidáticos como “Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor” e “Você precisa de quê? A diferença entre consumo e consumismo” (finalista do Prêmio Jabuti 2017), ambos pela Editora Moderna. Manteve até 2021 o blog Fio da Meada. Redes sociais: Facebook e Instagram (fotografia: Helena Pazzetti). 

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                            

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