Um vazio repleto de miudezas

"Ao ver-se diferente de um trem que anda no trilho, aproveitou a sua fluência com as palavras, viajando feito água que corre entre as pedras." 


REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 



_____Meu caro Manoel de Barros:

_____Acredito não ser nenhuma coincidência o fato de você trazer no seu nome uma alusão à criatividade, uma vez que o ‘barro’ teria sido o princípio de toda a Criação, não é mesmo?

_____Desse modo, o seu ato de criar com as palavras me remete à manifestação divina, como se sua poesia pudesse ordenar às palavras uma espécie de ‘faça-se o encantamento!’... E assim se fazia em cada verso, em cada estrofe, até o infinito, como foi mencionado num de seus textos.

_____Tendo como cenário principal as coisas inúteis encontradas em seu quintal maior que o mundo, desde seu estado natal, Mato Grosso, você usou e abusou de figuras de linguagem, com o refinamento de seu reconhecido talento literário.

_____Fincou pé e estabeleceu-se na cidade de Campo Grande, outro nome muito apropriado para ser vinculado às suas obras. Com as insignificâncias, enveredou pelo vasto campo da METÁFORA, dando grandeza, vez e voz a objetos, plantas, pedras, rios e pequenos animais.

_____Sabe, poeta, gostei quando fez duma enseada do rio que passava em volta de sua casa uma cobra de vidro. Achei genial utilizar abridor de amanhecer, encolhedor de rios e esticador de horizontes. Quis fazer morada em seus próprios abismos para ser exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.

_____Ao ver-se diferente de um trem que anda no trilho, aproveitou sua fluência com as palavras, viajando feito água que corre entre pedras. Não me esqueço do fato de prezar insetos mais que aviões e que seu VAZIO era repleto de miudezas, servindo-se das ignorãças para enaltecer seu imenso saber poético.

_____Pelos seus escritos, eu soube que, ainda na infância, sua mãe reparava com ternura que você fazia prodígios, a ponto de reconhecer no filho um menino que carregava água na peneira e, assim, fez muitas peraltagens com as palavras. Sua vida poética foi vasta e longa e, tal qual a observação materna, nós leitores o amamos por seus despropósitos. É admirável a sua peculiar maneira de desexplicar

"Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes"

_____Afirmando ter como maior riqueza sua incompletude e definindo-se como cismado e esquisito, além de dizer não ter habilidade para clarezas, você fez o verbo pegar delírio e por gostar do desvio e do desver, provocou transformações e trouxe leveza à poesia: 

"Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar os homens usando borboletas." 

_____É uma pena que um dia a voz dos pássaros, das árvores e das pedras emudeceram, no silêncio de sua partida... No entanto, devido à expressividade e beleza de suas palavras, por caminhar pelas linhas da simplicidade, tornaram-se eternas!  

OBSERVAÇÃO: os termos e trechos grafados em itálico são de autoria do poeta Manoel de Barros.



Graduado em Licenciatura em Filosofia, escreve poesias, contos e crônicas, com premiações em concursos nacionais e internacionais, tendo textos de gêneros diferentes publicados no exterior. Suas crônicas foram publicadas no Jornal de Piracicaba em 2001, 2002 e 2005. É compositor, em parceria, de 20 músicas, de diversos estilos. É autor de “Mar adentro, mundo afora” (poesias) e “Paredes e tons” (contos), para lançamento em breve (aguardando patrocínio / parceria).
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Comentários

  1. Encerrei minha manhã de sábado no melhorcsaborcecsabee das palavras. Parabéns aos dois.
    Você, Paulo Cesar, tenho certeza que lerá. O nosso Maoel de Barros receberaxem firma de energia.
    Um grande abraço.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Embora não seja mostrado o nome de quem fez o registro deste comentário (aparece como “Anônimo”), eu gostaria de agradecer pela sua gentileza. Grato pela atenção da leitura do texto e pelas palavras de incentivo. Tudo de melhor para você, sempre!

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  2. Vou reescrever.
    Digitais sem óculos.
    Melhor sabor e saber...

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    1. Aqui também não é mostrado o nome de quem fez o comentário. De qualquer maneira, gostaria de agradecer pela gentileza de ler o texto. Que a literatura continue a ser um alento, nos trazendo leveza diante de uma "pesada" realidade.

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