Pânico no Estúdio 49

"Procurou uma forma de espiar. Subiu em alguns caixotes e conseguiu dar uma olhada pelo basculante localizado na parte mais alta da parede do estúdio, que devia ter uns três metros de altura." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Conto ) 

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_____O carro dobrou a esquina a toda velocidade, desviando por pouco de outro veículo que vinha no sentido contrário. A via era de mão única, mas isso não impediu o automóvel desgovernado, que capotou em seguida.

_____Só então o diretor gritou corta. Assim, o dublê saiu do sedan danificado.

_____ “Valeu? ” – perguntou ele, referindo-se a cena.

_____ “Sim. ” – confirmou o diretor-assistente. – “Encerramos por hoje. ”

        Foi o bastante para Vinny Ace, o dublê, sorrir. Estava satisfeito com o resultado de sua performance. À princípio, não acreditava que aquela coisa de dublê fosse dar certo, no entanto, enganara-se. Queimara a língua, pois sentia que nascera para aquilo. A adrenalina, a tensão, a necessidade constante de superação... os seis últimos meses haviam sido os melhores de sua vida.

_____Tudo graças a Tina, a sua namorada desde os tempos do colégio, que lhe arrumara a proposta de trabalho. Tinha de fazer algo para agradecer a ela.

_____Já que Tina trabalhava como produtora-assistente da novela medieval O Trono de Pedra, que era rodada justamente no estúdio ao lado, o de número 49, poderia muito bem leva-la para jantar. Não era uma má ideia. Só teria de esperar as gravações do dia terminarem, o que não deveria demorar muito. Com sorte, até mesmo já teriam acabado.

_____Então, Vinicius foi até o seu trailer e rapidamente trocou de roupa, tirando o seu figurino. Em seguida, rumou para o estúdio 49. Chegando lá, não demorou a perceber que havia algo errado.

_____Se ele não se enganara, Tina lhe dissera que seria filmada uma cena de batalha no local. No entanto, tudo estava muito quieto.

_____Foi quando soaram os tiros. O fato confirmou as suas suspeitas. Definitivamente, algo estava muito errado, pois não existiam revólveres na Idade Média.

_____Procurou uma forma de espiar. Subiu em alguns caixotes e conseguiu dar uma olhada pelo basculante localizado na parte mais alta da parede do estúdio, que devia ter uns três metros de altura.

_____Alguns homens de terno tinham feito o elenco e a equipe de filmagem reféns. O líder do grupo de bandidos parecia ser um indivíduo de altura mediana, que trajava um extravagante terno azul marinho com finas listas negras.

_____Ele exibia um macabro sorriso em seu rosto, em grande parte por conta da cicatriz que deformava o lado direito de sua boca.

_____O sujeito estava enfurecido.

_____ “É o seguinte. ” – disse ele. – “Eu quero a minha grana. Todos os duzentos e oitenta mil, senão geral vai tomar pipoco. ”

_____Os dois capangas eram ainda menos amistosos que o chefe.

_____Vinicius sentia que tinha de fazer alguma coisa. Não dava tempo de chamar a polícia, pois demorariam muito para chegar ao estúdio, muito afastado do centro da cidade de Alexandria.

_____O dublê teve de pensar rápido. Se fosse realmente agir, precisaria contar com o elemento surpresa. Então, como a maioria das pessoas no local trajava um figurino de época, seria mais fácil se camuflar em meio aos figurantes se estivesse do mesmo jeito.

_____Para tanto, seguiu até os fundos do prédio, onde se localizava o vestiário. Pegou um uniforme de soldado da guarda-real e o vestiu. Improvisou uma máscara estilo Zorro, caso tudo desse extremamente errado. Assim, poderia preservar a sua dignidade (ou o que restasse dela).

_____Daí veio a procura por alguma arma, mas esta não durou muito, pois logo viu o arco e a aljava com as flechas. Uma sorte inesperada, já que sabia manusear corretamente o artefato.

_____Praticava o esporte desde a adolescência, logo após ter abandonado a ginástica olímpica. Mas aquela não era a hora para divagar.

_____Vinicius sabia que precisava estar completamente focado. Era essencial para a missão, na qual qualquer erro poderia ser fatal. Para obter sucesso, primeiro tinha de adentrar o set de filmagens despercebido.

_____Novamente, a sorte estava do seu lado. Nem precisava ter se disfarçado, mas agora era tarde para retirar a fantasia.

_____As passarelas suspensas, localizadas nas laterais do estúdio e utilizadas para o transporte de equipamentos, estavam desobstruídas. E o melhor: ninguém prestava a menor atenção a elas, seja por que motivo fosse.

_____Os bandidos estavam deveras concentrados em seus reféns e esses últimos não conseguiam desviar o olhar das armas que lhes eram apontadas.

_____Tudo que Vinicius tinha de fazer era tomar cuidado para não ser visto. Não seria uma tarefa fácil, pois além de não poder fazer nenhum ruído sequer, sob pena de chamar a atenção dos criminosos, ainda tinha de prestar atenção nos mesmos, de modo a não ser pego desprevenido. Lentamente, e com o máximo de cautela possível, ele começou a avançar pela passarela.

_____Foi então que o inesperado aconteceu.

_____“Olha, acho que podemos chegar a um acordo. ” – disse uma das reféns, levantando-se com as mãos erguidas. – “O que vocês querem? ”

_____O dublê reconheceu a garota de cara. Era Lara Porto, a atriz adolescente do momento e estrela da novela Trono de Pedra.

_____A moça tinha coragem.

_____“O que eu quero? Você! ” – respondeu o chefe dos meliantes.

_____Aquilo era ainda mais inesperado.

_____“Como?! ” – indagou a jovem completamente surpresa.

_____“É isso que ouviu, guria. Você é o nosso passaporte em segurança para fora daqui, além de garantir a grana que tenho direito. E se quiser mais detalhes, pergunte ao seu padrasto.” – concluiu o líder da gangue, apontando o cano de sua arma para um homem de terno deitado perto de uma das câmeras.

_____ “O Jonas?! O que lelé tem a ver com isso? ” – exclamou a jovem atriz de cabelos castanhos.

_____“Foi a dívida de jogo dele que nos trouxe aqui. Não é mesmo, Jonas? ”

_____“Que?! Não acredito nisso! ” – Lara outra vez exclamou.

____ “Pode acreditar, palavra de Roberto Santoro. ”

_____Fora isso que acontecera.

_____Vinicius decidiu que já ouvira o suficiente. Era hora de entrar em ação. Preparou duas flechas no arco e disparou-as simultaneamente.

_____As setas voaram em direção opostas, formando uma trajetória em V no ar. Acertaram em cheio nos seus alvos, fazendo com que os dois capangas do bicheiro largassem as suas armas, devido as feridas causadas, em suas mãos, pelas flechas. O dublê achava que tinha aleijado os caras. Nada que eles não merecessem.

_____A reação de Santoro foi rápida. Ele começou a atirar na direção da qual vieram os disparos. Ao mesmo tempo, Vinicius deu uma de Tarzan, saltando da passarela, agarrando uma corda presa por uma roldana e utilizando a mesma para ganhar impulso e para se balançar até onde estava Santoro, acertando um chute bem no meio de seu peito.

_____Por pouco a saraivada de balas, disparada pelo líder dos criminosos, não o acertara, mas a sorte parecia estar do seu lado. E Lara também.

_____A moça pegara as armas derrubadas pelos capangas de Santoro, rendendo-os. Já o bicheiro desmaiara com o impacto do chute. E, de repente, a atenção de todos se voltara para o misterioso arqueiro, que sem saber como agir, disse uma besteira qualquer:

_____“Um dia da caça, outro do Caçador. ”

_____E saiu correndo como se a sua vida dependesse disso.

_____No dia seguinte, todas as manchetes dos jornais de Alexandria indagavam quem era o misterioso “Caçador”.

_____E o resto era história. 


Leia também o conto intitulado "Fogo no Moinho[12.03.2024]






 TEXTO: Francisco Dorotheu 

Francisco Dorotheu é um autor mineiro, conhecido pelas obras "O Samurai e o Lírio", "Os caminhos do sertão" e "O Mistério de Dorothy Arnold", todas disponíveis no formato e-book na Amazon.
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