"E embora nos conte que mora bem distante do mar, nas suas páginas encontrei-me com um pescador. Um singular pescador que colhe belas preciosidades com as suas redes invisíveis."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
.Text written in Portuguese - Select a language in TRANSLATE >.
_____Paulo, meu amigo,
_____acabei de deixar o seu livro sentado neste muro de pedra, costas voltadas para o mar, a escutar a respiração dos barcos e das gaivotas enquanto desenham a sua poesia na brancura das nuvens.
_____Mas vou fazer-lhe uma confissão: ele ainda flutua dentro de mim! Curioso... Penso que se deve ter tornado num peixe a nadar dentro da minha cabeça...
_____Você conhece-me. Sabe que eu tenho “sede de navegar”. Por isso, pode imaginar como foi, para mim, uma aventura linda, sentir na pele interior aquele gostinho bom do mar. Deve ter sido, assim, como a viagem do marinheiro que “descortina caminhos, ao léu”, de que você nos fala.
_____Então, aceite as minhas desculpas, mas vou permitir ao meu pensamento brincar um pouquinho com as suas palavras sérias.
_____Paulo, o poeta, diz-nos que não sabe costurar. Não faço minhas as suas palavras. Talvez ele não saiba é que bordar não é só juntar fio! Pois eu vejo como, nos versos que alinhava, nasce a sensibilidade de quem desacelera do ruído e nos faz mergulhar, de coração aberto, na leveza dos sentimentos. A isso, eu chamo de beleza artística com vestes de humildade. Uma raridade.
_____E embora nos conte que mora bem distante do mar, nas suas páginas encontrei-me com um pescador. Um singular pescador que colhe belas preciosidades com as suas redes invisíveis: “o sol no peito da tarde”, “as almas dos rios”, o “desenho do solo”, o “traçado do vento”, a “caligrafia do céu”, “o murmúrio do Criador” ou “o sabor do infinito”. Ah! Conheço tão poucos desses fiandeiros de espumas que, assim, de olhos largos e vagarosos, não precisam da mão da maré para ler os voos da garça, colher os salpicos da neblina ou admirar o reino de um beija-flor, com o espanto da simplicidade...
_____Por isso, insisto. Sim, Paulo, você é poeta que sabe dominar a agulha sobre a medida exata das formas e com a mestria da elegância. E, sem dúvida, navega na palavra com a arte da emoção e de quem sabe falar, a sorrir, dos pedaços desencontrados do mundo e dessas coisas extraordinárias da alma. Um peregrino de águas profundas, interpretador de silêncios e da música das palavras que mistura, sábia e naturalmente, a luz do pensamento com o encanto lírico, e os serve bem quentes, para aconchegar ou acordar o nosso coração.
_____Outra das suas pérolas é a maneira bonita como descalça a pretensão dos que se entendem maiores: “todos os dias cada um de nós é único, ímpar (...) capaz de fazer à sua maneira, o seu próprio céu!”. A sua modéstia, sempre tão discreta e madura, a lembrar-nos que todos trazemos uma estrela escondida nos bolsos! Faz-nos acreditar que o ser humano ainda pode valer a pena. Que às vezes, ele também é coisa rara.
_____E isso leva-me a cismar naquela sua ideia do eterno menino, sabe? Aquele que me faz pensar no menino do ‘meu’ Pessoa e da ‘sua’ Bethânia. O menino das brincadeiras do “Faz de conta”, “meio descuidado, meio distraído”, que gosta de tropeçar nos insetos, que inventa o mar nas poças de água, que chama a tristeza de amiga e se senta na terra para brincar com ela. O menino que foge, ligeiro, do “tempo tatuador”, para não correr o risco de parar de se encontrar.
_____É mesmo! Tudo o que é pequeno é um milagre! Talvez por isso, esse olhar poético e sensível, tão seu, conseguiu perceber facilmente como “somente a criança foi capaz de ver a beleza da flor”.
_____Ela, realmente, tem um jeito de ser muito diferente desse adulto sisudo que conduz o navio da vida. Que só sabe andar na linha, de astrolábio e carta náutica presos aos olhos, que só sorri depois de pedir licença e que não permite que o corpo viva a festa. Não, a criança é a própria água debaixo do navio. Ela vai por aí sem medo, pés soltos, a sentir o cheiro da brisa, a “saciar os desafios do desconhecido”. É transparente, não tem forma, e ninguém manda nela. Não tem pressa para se entender nem para entender. Prefere sentir porque conhece o desfecho trágico quando se fica de mãos dadas com o pensamento, sempre cheio de explicações. É como se a criança tivesse dentro do peito um bando solto de passarinhos inquietos. E o que faz ela? Apenas abre os braços e segue adiante. Porque não quer ser grande, só quer estar viva. Tem em si a “(A)ventura”!
_____É isso, Paulo. Concordo consigo: “existe um ‘nós’ dentro de cada um, que exige ser retocado diariamente”. Queiramos dar asas à nossa criança. Procuremos a “reNOVAção”.
_____Mas digo-lhe que o seu espírito não tem essa precisão. Ele ainda é de criança. Afinal, só uma criança conseguiria a “Magia” de tão bem desenhar alguém em pouco mais de “quatro linhas e quatro (en)cantos”, como você conseguiu fazer!
_____E só ela, a sua criança, seria capaz de nos lembrar desse inteiro mundo afora por onde todos podemos velejar, livres “do temor da morte repentina, abrupta”, para nos deixarmos “surpreender com a vida súbita”, reencontrar o menino que mora dentro da gente e retomar o voo.
_____Como você, também sou “ofegante do verbo sentir”. Por isso, acredito que a minha adulta por acidente, continuará a aprender, com a essência pura do seu menino, a perdoar o tempo. Porque o facto é que a insanidade comiserativa do mundo permanece, independentemente das “explicações infinitas”.
_____Assim, quando o pensamento e o sentimento ‘brigarem feio’, como suponho que você diga vez por outra, quero continuar, também, por este mundo afora a fazer “poesia de mim”. Aquela poesia que “insiste diante de nós”, mesmo quando não a vemos. Ao invés de procurar num qualquer bar, como às vezes o adulto faz, conselho de cego que quer ajudar coxo a andar. Pois... isso é coisa de tolo, não de louco. E a poesia, a amiga que corre riscos felizes quando se deixa derramar nos outros, sabe que “os lunáticos sempre estiveram à frente dos racionais” (estes que, cá para nós, e eu sei que confirma, são os mais tolos). Sim, agrada-me e desejo esse “retalho de loucura”, de “loucura redonda”, que foge da “Liberdade cativa”, onde “o homem é o lobo do homem, ensandecido pela lucidez social”.
_____Tem razão. É assim como você diz, Paulo, “precisamos nos tornar ‘pós’-graduados na arte de viver”!
_____E é por tudo isto que eu também prefiro falar de sonho e de amor. Tal como para você, “minha principal ar(l)ma é o sonho”. E o amor.
_____Ah! O amor! Essa “conjugação a dois”, como barco que engana a lógica ao fazer a sua rota, porque é mesmo quando transborda que ele não afunda. Ao amor você também gosta de desobedecer em palavras, já vi. Para si ele não pode ser doce só na língua. Tem que ser doce no gesto. É um amor que não pode ser limpo, tem que ter muitos vestígios de ternura na mão. Um amor possível, de homem, feito de um chão sagrado, uma “Canção do anoitecer” e outras miudezas que são música na vida do seu bem-querer. Sim, você sabe como é bela essa “fragilidade de dois apaixonados”! Ou o amor de pai que carrega a filha nos olhos em cada lua de esperança, com “mãos que afaga a menina bonita”. E ainda o amor de quem tem “Caso sério”... Amor “querendo que os versos também movam outros lábios, desde que encantem o coração”. Acho que da tal de Poesia.
_____Gosto da forma letrada e nobre como abraça o amor. Para si, ele tem que andar nu, mas com a dignidade de uma estrela. Receba o meu aplauso porque, no amor, você é senhor.
_____Paulo, foi muito bom escorrer pelos seus versos adentro. Valeu a pena. “O papel ofereceu-me as pautas, para pôr o que sentia”.
_____Obrigada por esta pausa para viajar e existir na sua escrita – com aroma de maresia e sabor de saudade – e nela descobrir esse paradoxo profundo que nos constrói. Navegadores vulneráveis mas destemidos, capazes de nos deixarmos despertar por uma “provável... mente” sonhadora.
_____Antes de me despedir volto, uma vez mais, a olhar para a serenidade quente do seu livro. Está ali, sentado, com o orgulho de quem sabe que ficou bem na fotografia. Vestido com o seu silencioso azul, a roupa que escolheu para sair à rua e mostrar as coisas lindas que moram dentro dele. Agradecerei sempre por, afetuosamente, me ter confiado essa agradável alegria de ser a tecelã dos seus trajes. Foi um prazer e uma honra.
_____Sobre o nosso “Vasto oceano”, que as minhas singelas mas sentidas palavras sigam mar adentro e mundo afora, e se mantenham ancoradas no cais do seu coração.
_____Com profunda amizade e admiração,
_____Paula
TEXTO: Paula Freire
SITE: Nas Minhas Linhas te Confesso... - Crónicas
Paula Freire é natural de Lourenço Marques, Moçambique, e reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. Prefaciadora e autora das imagens de capa de várias obras no campo poético e narrativo, tem publicado dois livros de poesia, "Lírio: Flor-de-Lis" (Editora Imagens e Publicações, 2022) e "As Dúvidas da Existência: no heteronímia de nós" (em coautoria com Rui Fonseca, Farol Lusitano Editora, 2024). Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, tendo organizado uma exposição com trabalhos seus, na cidade do Porto (a convite da Casa da Beira Alta), em setembro de 2022, sob o título: "Um Outono no Feminino: De Amor e de ser Mulher".
_______________________________________________________________
A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
Paula Freire,
ResponderExcluirDepois de ler a esta sua crônica sobre o meu livro, qualquer coisa que eu disser não estará à altura. Agradecer somente é muito pouco! Além da criação da maravilhosa imagem da capa, você me presenteia com esse texto, acompanhado dessa outra imagem do livro sobre o muro de pedra, depois de ter navegado “Mar adentro, mundo afora” e aportado aí em Portugal, do outro lado do oceano. Minha gratidão por tudo, por ilustrar a capa e por valorizar o conteúdo do livro com suas palavras e, principalmente, por sua preciosa amizade.
Desde o Brasil, envio o meu abraço!
.
( Paulo Cesar Paschoalini – Piracicaba-SP, Brasil)
.
LIVRO: “Mar adentro, mundo afora” – Editora Clube de Autores
https://clubedeautores.com.br/livro/mar-adentro-mundo-afora-2
Foi com imensa satisfação que viajei de coração feliz pelas páginas deste livro que sonhou, Paulo Cesar Paschoalini, e nele ter oportunidade de deixar a minha marca, quando dei forma ao que antes já estava escrito na sua alma. O resto… bem, o resto foi somente seguir a luz que a sua poesia já tinha iluminado!
ExcluirCom alegria e sentida amizade, devolvo, deste canto do nosso Atlântico, o meu abraço de porto seguro.